O post de hoje fala sobre a semana de condução de Arlindo Bezerra, e o texto foi escrito com capricho por ele:
O homem em sua natureza primitiva pode revelar as coisas a partir de uma ótica desumanizada.
O homem em sua natureza primitiva pode revelar as coisas a partir de uma ótica desumanizada.
Iniciei o
procedimento de condução muito inseguramente e com o desejo de estar dentro.
Não optei por ficar olhando de fora. Fazia questão de participar ativamente o
proposto no coletivo. Trouxe a proposta de representar através de uma seleção
de expressões manoelescas, todas os enunciados que seja prenhe de uma
identificação pessoal para com a obra do Retrato do Artista Quando Coisa, ou
que possa ainda partir de outros livros do poeta. Pensando nessa perspectiva,
começamos com essa “seleção natural” das terminologias poéticas, e catalogamos
tudo em um papel.
Abaixo
disponibilizo alguns exemplos de cada seleção individual:
Arlindo – os
silêncios me praticam, entorpecer o cheiro do sol, rã me pedra, envesgar seu
idioma, achar solidão, ser arrancado de dentro, olhar para baixo, entrar em
estado de árvore, predicados de uma lata, memórias fósseis, des-heróis,
incompletude, sossego de uma pedra, milagre estético, não use o traço
acostumado, limpeza de um verso...
Luana –
liberdade, coisas celestiais e coisas ínfimas, morrer é uma coisa
indestrutível, sair entorpecido de haver-se, que hei de fazer? Artista!!!
Substantivo escuro escorrendo, dores, limites, derrotas, experimento o gozo,
coroa de flores,a noite, paz calmaria contentamento...
Paulinha
–retrato, cristianizar, bulir, lixo, senso, adoecer, esgarçar, retrato do
artista, trocar as árvores, ser coisa, germinar, brotar, desfrutar, bicho,
pensamentos, perfumes, entontecer, esvaziar-se, ventania, vendaval, invenção,
desejo, vento bom na janela, corpo solitário no brilho da lua, desobjeto
artístico, brincar no quintal, carrapicho, rios riosriosrios, sem vergonhas,
ferrolho quebrado feito para não servir...
Rodrigo Silbat
– coisa, trocar as árvores, desempenho, dom de latas, velha, olho, predomínio
por lírios, desejam a minha boca, cristianizar as águas, cheiro do sol,
limites, deslimites, largado no chão, corromper, me pedra, manhãs, os jardins
se borboletam, cio vegetal, envesgar, ter chuva, entorpecer...
Após essa
etapa, passamos para um momento de criação de painéis individuais a partir do
material que cada um havia levantado. Funcionava assim: Luana transcrevia para
um papel na parede a seleção das expressões selecionadas por Silbat, e assim
por diante. Cada um desenhava a representação do material que o outro havia
elencado.
Segue abaixo o
painel que contemplava os termos do outro naquele momento do exercício:
Painel das
expressões de Arlindo feito por Paulinha:
Painel das
expressões de Paulinha feito por Silbat:
Painel das
expressões de Silbat feito por Luana:
Painel das
expressões de Luana feito por Arlindo:
Na etapa final
do trabalho passamos para um exercício de despir-se diante do painel que
representava cada um. A proposta do trabalho, era expor o homem frente às
questões que o tocam individualmente, e em seguida realizamos uma improvisação
nesse ato de desnudamento. Considerando Manoel de Barros, encerramos o trabalho
nús de nossas derrotas, limites e fraquezas.
Tais
terminologias escolhida “ao acaso” por cada um, pôde revelar particularidades
muito específicas de cada indivíduo dentro do processo.
E ainda
podemos perceber como cada um possui uma qualidade de representação do outro, a
partir dos estímulos que são oferecidos. É muito curioso ver a leitura que o
outro tem de sí.
O olho vê, a lembrança revê, a imaginação
transvê. (Manoel de Barros).
Na sequência
do meu trabalho, no segundo dia condução, começamos passando por um momento de
representação no corpo inspirados na construção dos painéis individuais do dia
anterior. A proposta era que todas as representações individuais pudessem se
contaminar pelo outro. E então, começamos a colorir o corpo, usar os traços, e
estabelecer uma relação com o outro a partir dessa criação. Fazer surgir um
corpo-coisa-sujeito-homem-desumano. O trabalho foi conduzido ao som da trilha
sonora do disco “Recanto” da Gal Costa e alguns álbuns do Yann Tiersen. A
partir dessas relações pudemos construir narrativas-dramatúrgicas- corporais de
relevante significação. Paulinha se relacionou com Silbat e eu com Luana. Esse
gráfico de relação pôde ser percebido mais conscientemente no trabalho na
chegada do Zé Walter que considerou apontamentos que irei expor em outro
momento. Encerrei o trabalho insatisfeito, saí com a sensação de que não
consegui chegar aonde desejava. Mas
acreditava que amanhã seria outro dia. E foi...
Este seria meu
último dia de condução individual do processo. Começamos em um ritual de
encontro que fomos descobrindo lentamente, e até hoje tem nos revelado muito.
Logo no início, expus a proposta do trabalho para aquele dia. O que haveria de
diferente do dia anterior, seria apenas o direcionamento para algumas figuras
(corpo-coisa-ser-objeto-desobjeto), e a liberdade improvisacional que essas
imagens pudessem redimensionar. Então, pensando nisso, iniciamos do rito de
encontro dos corpos, e fomos experimentando o contato e improvisação de nós
quatro nus, totalmente despidos no centro do espaço de trabalho. Esse estímulo
inicial foi nos levando para uma experiência laboratorial muito profunda,
surgiram imagens poéticas lindas... Dentro do próprio exercício, consegui sair
do laboratório e retornar por vários momentos. A força Dionísiaca estava muito
latente neste dia. O trabalho teve vários momentos de êxtase coletiva – O
estupro colorido (quando Silbat jogou Luana na parede e gerou uma imagem linda
da agressão), a pintura coletiva dos painéis (quando nós quatro transfiguramos
termos poéticos da obra Manoelesca) e por fim, o mergulho no monte de barro
(quando Paulinha, Silbat e eu, nos jogamos no barro e experimentamos a queda e
a textura da matéria do barro no corpo). Este último momento trouxe a natureza
primitiva muito forte para experiência daquele dia. Foi revelador... Corpos nus
que materializam ancestralidades!
Faço
relação dessa experiência com o vídeo “Sangue Latino” do Eduardo Galeano que o
Odilon deixou de presente naquele primeiro momento.
“Não existem dois fogos iguais, cada pessoa brilha com luz própria entre
todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, e fogos de todas as
cores. Existe gente de fogo sereno que nem fica sabendo do vento e existe gente
de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos são bobos, não iluminam
nem queimam. Mas outros... outros ardem a vida com tanta vontade, que não se
pode olhá-los sem pestanejar, e quem se aproxima se incendeia”
Eduardo Galeno.
por Arlindo Bezerra.
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