Hoje tem post com texto do nosso querido assistente de direção sobre o dia de trabalho que ele conduziu, o mesmo dia narrado no post "A procura e o gozo de criar". Lá vai:
"Tinha em mente
propor algo que mexesse de forma direta com a criatividade dos meninos. Que os
fizessem construir coisas passíveis a teatralização, e que surgissem de alguma
maneira, do lixo, isso mesmo, do descarte alheio!
É uma
tentativa de voltar o olhar dos atores e dos espectadores para a redondeza do
lugar, para o entorno que ambos no ato cênico, habitam... Penso que nós
perdemos a capacidade observar poesia no cotidiano, quero com isso, estimular o
olhar “torto do poeta”, nos espectadores, fazendo-os intencionalmente,
descobrir os lugares, não pelo que está no campo de visão do horizonte, mas do
que está no chão. Voltar o olhar para baixo! Para despertar o olhar do
descarte! De modo que, cada elemento do cenário, fosse construído aos olhos do
espectador. Penso que assim reforçamos objetivamente uma das provocações de
Manoel de Barros: “transver o mundo” a partir dos objetos que estão largados em
quintais, calçadas, ruelas... Quero valorizar o abandono e de quebra, trazer o
espectador para perto.
É um mergulho
arriscado, que busca diálogo com formas performativas e estados variados de
presença do ator e do espectador. Quero estimular nos atores a construção de
imagens fortes, que provoquem admiração no público. E acreditem, toda essa ousadia
surgiu depois que tive contato com um poeta brasileiro que se autointitula
“vagabundo das palavras”. E que palavras! Elas têm o poder de despertar o nosso
interesse por latas, por paredes rachadas, por céu e por objetos que repousam
abandonados. Elas – as palavras - nos fazem querer experimentar, por um
instante que seja a inutilidade (ou seria super utilidade?) de sermos
vagueadores da cena... Vagabundantes do teatro... Criadorantes de poesia do
nada.
Este mesmo
poeta fez a nós artistas uma bela homenagem, ao batizar um dos seus livros com
o nome “Retrato do artista quando coisa”. Olha que louco e sublime esse gesto,
é muita genialidade numa pessoa só, que conseguiu em uma frase juntar três
palavras tão primordiais para a nossa criação: Retrato, que guardam as nossas imagens, os nossos afetos, os
lugares que passamos (ou mesmo os que nunca visitamos de verdade, mas que de
tão belos e nítidos, nos fazem querer estar lá), o nosso passado, ou que
revelam aquilo que não queremos registrar (um defeito no corpo, uma roupa
descuidada, enfim, um não querer). Artista,
ou nós mesmos, que em momentos, nos movemos pelas cidades em uma frequência diferenciada,
que olhamos o mundo com uma lente especial, que enxergamos beleza no lixo, no
descartável, na parede em branco, enfim, somos obcecados pela comunicação
artística! E... Coisa... Ah, as
coisas. Diria que a coisa é o nosso alimento, motor de partida para as
inquietações. Nos encantamos quando enxergamos uma coisa. Nós sentimos coisa dentro do corpo! Nós
fazemos coisas, que assim como o retrato,
revelam que toda sociedade, apesar de não reconhecer, precisa de artista! De artistas coisados,
criadores de iluminuras, de desobjetos, de não lógicas, de uma linguagem que se
organiza a partir de vários vetores, que não questiona o caminho, que se
arrisca a cruzar a fronteira e a pular o muro... Que busca o proibido, não por
birra, mas por curiosidade. Artistas crianças! Que são capazes de construir um
arsenal de guerra com folhas de árvores, tampinhas de garrafa, caixas de
papelão, gravetos, cuspe, chinelo velho, casca de ovo, pedra, espiga de milho,
arame, hélice de ventilador, cadarço, pregador de roupa... Enfim, verdadeiros
cientistas do encantamento, insatisfeitos com a infinitude das coisas e que
acreditam que a palavra tudo, carrega na vida do artista, o significado de ser
e fazer tudo, para isso, basta uma imaginação permissiva, criatividade para aflorar
e a coragem de desbravar!
Alex Cordeiro."
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