sexta-feira, 13 de julho de 2012

Retrato, Artista, Coisa


Hoje tem post com texto do nosso querido assistente de direção sobre o dia de trabalho que ele conduziu, o mesmo dia narrado no post "A procura e o gozo de criar". Lá vai:


"Tinha em mente propor algo que mexesse de forma direta com a criatividade dos meninos. Que os fizessem construir coisas passíveis a teatralização, e que surgissem de alguma maneira, do lixo, isso mesmo, do descarte alheio!
É uma tentativa de voltar o olhar dos atores e dos espectadores para a redondeza do lugar, para o entorno que ambos no ato cênico, habitam... Penso que nós perdemos a capacidade observar poesia no cotidiano, quero com isso, estimular o olhar “torto do poeta”, nos espectadores, fazendo-os intencionalmente, descobrir os lugares, não pelo que está no campo de visão do horizonte, mas do que está no chão. Voltar o olhar para baixo! Para despertar o olhar do descarte! De modo que, cada elemento do cenário, fosse construído aos olhos do espectador. Penso que assim reforçamos objetivamente uma das provocações de Manoel de Barros: “transver o mundo” a partir dos objetos que estão largados em quintais, calçadas, ruelas... Quero valorizar o abandono e de quebra, trazer o espectador para perto.
É um mergulho arriscado, que busca diálogo com formas performativas e estados variados de presença do ator e do espectador. Quero estimular nos atores a construção de imagens fortes, que provoquem admiração no público. E acreditem, toda essa ousadia surgiu depois que tive contato com um poeta brasileiro que se autointitula “vagabundo das palavras”. E que palavras! Elas têm o poder de despertar o nosso interesse por latas, por paredes rachadas, por céu e por objetos que repousam abandonados. Elas – as palavras - nos fazem querer experimentar, por um instante que seja a inutilidade (ou seria super utilidade?) de sermos vagueadores da cena... Vagabundantes do teatro... Criadorantes de poesia do nada. 
Este mesmo poeta fez a nós artistas uma bela homenagem, ao batizar um dos seus livros com o nome “Retrato do artista quando coisa”. Olha que louco e sublime esse gesto, é muita genialidade numa pessoa só, que conseguiu em uma frase juntar três palavras tão primordiais para a nossa criação: Retrato, que guardam as nossas imagens, os nossos afetos, os lugares que passamos (ou mesmo os que nunca visitamos de verdade, mas que de tão belos e nítidos, nos fazem querer estar lá), o nosso passado, ou que revelam aquilo que não queremos registrar (um defeito no corpo, uma roupa descuidada, enfim, um não querer). Artista, ou nós mesmos, que em momentos, nos movemos pelas cidades em uma frequência diferenciada, que olhamos o mundo com uma lente especial, que enxergamos beleza no lixo, no descartável, na parede em branco, enfim, somos obcecados pela comunicação artística! E... Coisa... Ah, as coisas. Diria que a coisa é o nosso alimento, motor de partida para as inquietações. Nos encantamos quando enxergamos uma coisa. Nós sentimos coisa dentro do corpo! Nós fazemos coisas, que assim como o retrato, revelam que toda sociedade, apesar de não reconhecer, precisa de artista! De artistas coisados, criadores de iluminuras, de desobjetos, de não lógicas, de uma linguagem que se organiza a partir de vários vetores, que não questiona o caminho, que se arrisca a cruzar a fronteira e a pular o muro... Que busca o proibido, não por birra, mas por curiosidade. Artistas crianças! Que são capazes de construir um arsenal de guerra com folhas de árvores, tampinhas de garrafa, caixas de papelão, gravetos, cuspe, chinelo velho, casca de ovo, pedra, espiga de milho, arame, hélice de ventilador, cadarço, pregador de roupa... Enfim, verdadeiros cientistas do encantamento, insatisfeitos com a infinitude das coisas e que acreditam que a palavra tudo, carrega na vida do artista, o significado de ser e fazer tudo, para isso, basta uma imaginação permissiva, criatividade para aflorar e a coragem de desbravar!
Alex Cordeiro."

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