quarta-feira, 4 de julho de 2012

Encontros na Ilha Desconhecida


Demorou, mas chegou: aqui vem o segundo post do Retrato do Processo, que a partir de agora andará mais movimentado! Já temos muita coisa acontecendo, mas aqui começaremos pelo começo, para que quem tenha interesse em compartilhar conosco o processo se sinta incluído e entendido nos assuntos.
Como já dito no post carinhosamente intitulado “Desvirginação”, temos como marco oficial do início do processo a vinda do Odilon Esteves, do Luna Lunera, que está nos dirigindo. Claro que o projeto já vinha sendo gerado, mas após a vinda do Odilon tudo se intensificou.
Da boca do Odilon saíam pérolas a todo instante. Paulinha conta:  “Tentei coletar a maioria para guardar comigo. Dentre elas, ficou muito forte: estamos nos ‘alfabetizando’ em Manoel de Barros e em seu idioleto. É fantástico! Tão bonito... foi exatamente o que aconteceu.”
Foi tempo pouco para encontros muitos, para esse tudo que aconteceu tão lindamente. Segundo ainda as palavras da atriz Paulinha Medeiros “Foi um encontro lindo, dos mais lindos que já vivi. Voltamos à peraltagem, às feridas, às glórias e nos conectamos com criaturas e energias que vivem em um universo diferente... um universo simbólico, precioso, mítico, poético, poderoso, singular. Acho que eu nunca me senti tão tocada por um processo e, confesso, fico com um pouco de medo. Mas não é um medo ruim, é um medo assim... muito particular. É que tudo está acontecendo de um jeito tão lindo e intenso que eu me pergunto se é possível trabalhar sentindo tanta delícia. (...) Uma escolha muito abençoada essa nossa de ir ao encontro do outro. E a palavra é essa mesmo: encontro,encontro, encontro, encontro..."       
Tenho certeza que essa fala de Paulinha é uma fala de todos do Bololô! E olha que é difícil ter certezas nessa vida. Para contar um pouco mais da maravilha que foi o encontro com Odilon, para caminhar um pouco sobre Ilha Desconhecida que ele era, segue o texto abaixo, escrito por Alex Cordeiro, nosso assistente de direção.

“A ilha Desconhecida, ou, Odilon.
Em estado de silêncio, talvez tenha sido essa a sensação exata que tomou parte do meu ser, durante a primeira semana de trabalho do Retrato. Odilon cativou a todos com seu jeito manso de falar, e afetuoso de agir. Mesmo estando eu, antes de sua chegada, um pouco ansioso com o desconhecido que ele representava, tinha a intuição de que iria encontrar um indivíduo, que a partir de suas ações, iria expor a riqueza e a diversidade do fazer teatral produzido nas salas de ensaios dos grupos de teatro do Brasil, e nesse caso, do próprio Luna Lunera.
No primeiro dia de encontro eis que fui apresentado ao modo Odilon de conduzir um processo. Tudo começou em uma roda, formada por todos da equipe, com o objetivo puro e simples de conversar. Gastamos seis horas trabalhando um dos princípios básicos do teatro de nosso tempo: a comunicação pura e simples através da palavra, do diálogo. Isso mesmo, conversamos incansavelmente sobre o universo de Manoel de Barros, da Bololô, do Luna... Sobre cada um de nós. Sendo que uma de suas impressões sobre a obra do Manoel de Barros chamou a minha atenção. Disse ele “A obra do Manoel de Barros nos aproxima das coisas abandonadas e nosso desafio é fazer o público perceber essa aproximação”.  
Como assistente de direção, fiquei encasquetado com essa provocação. A poesia do Manoel me faz perceber beleza nos objetos desprezíveis... Mas as palavras do Odilon potencializaram meu olhar como encenador. Este trabalho parte de um livro que apesar de se constituir totalmente de palavras, tem nos espaços em branco, um forte poder imagético. E é nesse lugar branco que se esconde as possíveis cenas do nosso espetáculo. (...) E na minha função, Odilon contribuiu dizendo: meninos, a sensação para quem está observando tudo de fora é de empréstimo! Empreste seu olhar a todos, aos atores, ao iluminador, ao público!
O meu primeiro encontro com o Odilon, deixou um aprendizado para a minha jovem carreira de encenador: é importante escutar o outro, a sua equipe, pois esta constrói ao longo de sua trajetória artística, um leque de impressões. Odilon tinha curiosidade em saber quais espetáculos haviam nos deixado com sensação de proximidade, que cenas, que cores, que palavras ditas no teatro nos deixavam calados, emocionados, acreditando que este seria um caminho possível para a nossa própria criação.  Ele tinha curiosidade em saber quem éramos nós, não para imprimir um discurso autoritário de trabalho, mas para fazer com que nós encontrássemos as rotas possíveis para a jornada que se iniciara.
O mais curioso desse meu encontro com ele, foi perceber que o desconhecido que ele representava no início, caiu por terra, pois sete dias de trabalho depois “Odilonzim”, como carinhosamente o chamávamos, revelou-se um jovem ávido por novas experiências, assim como os jovens atores da Bololô, assim como eu sou.
Como diria o Saramago: “quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu, quando nela estiver” e agora que estou na ilha do Odilon, que também pode se chamar Luna Lunera, e sabendo que os princípios que a regem (comprometimento com a pesquisa, valorização do diálogo, criação compartilhada e afeto na diferença) também estão presentes na Ilha que eu habito: a ilha Bololô.



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